sexta-feira, 13 de setembro de 2013

O gigolô das palavras

Estudando para concursos encontrei esse texto bem interessante, pelo menos pra mim.


Quatro ou cinco grupos diferentes de alunos
do Farroupilha estiveram lá em casa numa mesma
missão, designada por seu professor de Português:
saber se eu considerava o estudo da Gramática indispensável
para aprender e usar a nossa ou qualquer
outra língua. Suspeitei de saída que o tal professor
lia esta coluna, se descabelava diariamente com
suas afrontas às leis da língua, e aproveitava aquela
oportunidade para me desmascarar. Já estava até
preparando, às pressas, minha defesa (“Culpa da revisão!
Culpa da revisão!”). Mas os alunos desfizeram
o equívoco antes que ele se criasse. Eles mesmos
tinham escolhido os nomes a serem entrevistados.
Vocês têm certeza que não pegaram o Veríssimo errado?
Não. Então vamos em frente.
Respondi que a linguagem, qualquer linguagem,
é um meio de comunicação e que deve ser julgada
exclusivamente como tal. Respeitadas algumas regras
básicas da Gramática, para evitar os vexames mais
gritantes, as outras são dispensáveis. A sintaxe é uma
questão de uso, não de princípios. Escrever bem é escrever
claro, não necessariamente certo. Por exemplo:
dizer “escrever claro” não é certo, mas é claro, certo?
O importante é comunicar. (E quando possível surpreender,
iluminar, divertir, mover… Mas aí entramos na
área do talento, que também não tem nada a ver com
Gramática.) A Gramática é o esqueleto da língua. [...]
É o esqueleto que nos traz de pé, mas ele não informa
nada, como a Gramática é a estrutura da língua, mas
sozinha não diz nada, não tem futuro. As múmias conversam
entre si em Gramática pura.
Claro que eu não disse isso tudo para meus entrevistadores.
E adverti que minha implicância com
a Gramática na certa se devia à minha pouca intimidade
com ela. Sempre fui péssimo em Português.
Mas – isso eu disse – vejam vocês, a intimidade com
a Gramática é tão dispensável que eu ganho a vida
escrevendo, apesar da minha total inocência na matéria.
Sou um gigolô das palavras. Vivo às suas custas.
E tenho com elas exemplar conduta de um cáften
profissional. Abuso delas. Só uso as que eu conheço,
as desconhecidas são perigosas e potencialmente
traiçoeiras. Exijo submissão. Não raro, peço delas
flexões inomináveis para satisfazer um gosto passageiro.
Maltrato-as, sem dúvida. E jamais me deixo
dominar por elas. [...]
Um escritor que passasse a respeitar a intimidade
gramatical das suas palavras seria tão ineficiente
quanto um gigolô que se apaixonasse pelo seu plantel.
VERISSIMO, Luis Fernando. O gigolô das palavras. In: LUFT, Celso
Pedro. Língua e liberdade: por uma nova concepção de língua
materna e seu ensino. Porto Alegre: L&PM, 1985. p. 36. Adaptado.

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